segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"filho" do Primeiro Ministro

Pois é!!! Email enviado ao Primeiro Ministro José Sócrates [07-02-11], por André Moreira
Excelentíssimo Primeiro Ministro,
O meu nome é André Moreira, mas poderia ser João, Maria, Ricardo ou Ana.
Sei que provavelmente nem será o senhor a ler este email, provavelmente até ninguém o lerá, no entanto
sempre me ensinaram a não desistir.
Escrevo-lhe porque nesta tarde de dia sete de Fevereiro deveria estar a estudar matemática (tenho
teste amanhã), mas não estou. Não estou porque o senhor me obrigou. Obrigou-me a questionar a razão
pela qual estudo. Obrigou-me a esta submissão filosófica. Perceberá tudo mais à frente.
Porventura o telefone está a tocar, porventura tem uma grande reunião daqui a cinco minutos,
porventura este email apenas conheceu o lixo da sua caixa de entrada...
Sou estudante como já deve ter percebido, tenho 16 anos e frequento o 11º ano numa escola
pública da localidade de Paredes, uma escola igual a muitas outras. Igual em todos os defeitos que o
senhor permitiu que se estruturassem, dentro de um ensino que deveria ser de todos e para todos. No
entanto a Escola Secundária de Paredes é diferente em alguns aspectos, é principalmente diferente no que
toca às qualidades e virtudes, isto porque existe toda uma comunidade escolar interessada em todos
aqueles assuntos que não lhes dizem respeito.
É este o meu mundo, gosto de ler, de escrever, gosto essencialmente de aprender. Você entrou nele
a partir do momento em que foi eleito Primeiro Ministro. Sou sincero, não lhe dei muita importância, mas
aos poucos fui conhecendo aquele que viria a ser um dos homens mais importantes da minha vida, você.
Foi por sua culpa que descobri algo que realmente me fascina, a política, foi por sua culpa que me
interessei por este novo mundo, que se diz para maiores de 18...
Hoje olho para trás e percebo que viria a ser político de qualquer forma, como acredito que qualquer
pessoa o é, o senhor apenas apressou este processo. Apenas conseguiu que eu fosse politicamente
prematuro, oxalá não o tivesse sido.
Era sinal de que tudo estava diferente. Era sinal, e só por ser sinal já era bom, hoje procuro todos
os sinais e não encontro nada.
Hoje já não sonho, percebi a capacidade ilegítima que você tem de brincar com a minha vida. Hoje
não tenho presente nem futuro, dizem que foi hipotecado. Hoje sobrevivo e não sei muito bem porquê; se
tudo o que eu queria era ser licenciado e entrar no mercado de trabalho, hoje não quero nada. Não quero
nada porque tirar um curso implica ser rico, implica ter aquilo que muitos não têm; e entrar para o
mercado de trabalho, significa entrar para um mundo precário totalmente à parte, onde se desafiam os
direitos humanos, num mundo em que entramos como objectos e simplesmente não saímos.
Sim sou dessa Geração, sem remuneração, do vou queixar-me para que, do casinha dos pais, do já
não posso mais, sim sou dessa geração em que para ser escravo é preciso estudar.
E é esta a minha pergunta, é este o meu enorme ponto de interrogação.
Se hoje não tenho presente, nem futuro garantido, se hoje sou mais uma peça num jogo de grandes
senhores, porque estudo? Para ser escravo? Para ser menos escravo do que seria se não estudasse?
É esse o patamar máximo de "dignidade" que o estado me pode oferecer?
O meu nome é André, mas como já referi podia ser João, Maria, Ricardo ou Ana; tenho 16 anos
mas podia ter 15, 14, 20 ou 25; sou da geração do seu filho, que quando não tiver o pai no poder será um
André como eu. Vivo num país chamado Portugal, que é a terra da instabilidade, da escassez, da
insegurança, da incerteza, da fragilidade, da debilidade... Os meus pais são funcionários públicos e eu sou
filho da precariedade, e para além disso sou também seu "filho", filho do seu sistema, da sua política.
Certamente não terá tempo para ler o texto até ao fim, certamente não me irá responder, certamente
não valerá a pena a nota que infelizmente irei tirar a matemática, certamente nada irá mudar... Mas agora
sei que tentei.
Se leu este email até ao fim, agradeço-lhe pelo tempo perdido.
Com os melhores cumprimentos,
O para sempre seu "filho":
André Moreira.

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