terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

E falam-me de revisão curricular?

Esta eu assino por baixo.

E falam-me de revisão curricular?
Um dia cinzento...professor.

 Hoje o dia amanheceu cinzento e chuvoso...Para muitos mais um dia de
 inverno! Para mim um dia triste, coberto de indignação, revolta, medo,
impotência e desolação.

 Ontem, em frente à Escola EB 2/3 Padre António Luís Moreira, nos
 Carvalhos - Vila Nova de Gaia, um Professor de Matemática, de 63 anos,
 foi violentamente agredido por três indivíduos de etnia cigana. Não.
 Não agrediu nenhum aluno. Não foi incorreto com ninguém, nem tão pouco
 falou mais alto. O exemplo de civismo, educação, correcção e
 profissionalismo é a descrição deste nosso colega. Apenas mandou que
 uma aluna de etnia cigana se retirasse da sala onde entrou sem
 autorização e sem educação. Motivo este bastante para que a aluna
comunicasse com os familiares que de forma selvagem se encarregaram do
 "ajuste de contas".
 Sou professora e tenho também alunos de etnia cigana. Terei
 provavelmente princípios de educação e civismo semelhantes aos da
maior parte dos professores, como este colega. Corrijo todos os dias
 os comportamentos e atitudes que considero despropositados. Trato
 todos os alunos de igual forma tendo como principio a igualdade de que
 todos falam com a "boca cheia". Igualdade essa de direitos, mas também
 de deveres. Sim, porque não pensem que a igualdade só serve para ter
 direitos! O cumprimento das regras de civismo e respeito também fazem
 parte. E se um dos meus alunos achar que "cuspir em cima das
 secretárias" é um direito que ele tem? Isso vai contra o meu
 entendimento de respeito e educação e, como tal terei de informá-lo da
 necessidade de limpar a secretária que é de todos. Se a moda pega,
 terei com toda a certeza de pedir proteção policial para sair da
 escola.

 Cada vez que tento visualizar a situação de agressão a que foi sujeito
 este professor, fico completamente de rastos, desmoralizada e sem
 motivação alguma para continuar a fazer aquilo que escolhi há muitos
 anos.

 E falam-me em revisão curricular??
 Podem fazê-las todas e todos os anos! Não é aí que se encontra o
 "cancro" da Escola/Educação. Podem aumentar as cargas horárias todas
 que quiserem! Os alunos não vão saber mais por isso. É o mesmo que
 tentar tratar o doente com a medicação errada.

 A indisciplina grassa em grande escala e em percurso crescente na
 maior parte dos estabelecimentos de ensino do nosso país. É mais ou
 menos camuflada, numas ou noutras escolas, por interesses vários,
 desde directores a ministros.

 Mas está instaurada e cada vez com maior número de aderentes. A nós
 pouco nos resta fazer. Tentamos de todas as formas, nunca infringindo
 a lei ou ferindo os tão apregoados direitos do aluno, proteger os
 poucos que sabem para que serve a Escola, o Professor e a Educação.
 Mesmo correndo algum risco de, segundo os entendidos, traumatizar as
 crianças, ainda elevamos o tom de voz ou castigamos um ou outro aluno,
 na tentativa, quase inglória, de "salvar" mais um.

 Sabendo que a missão primeira de educar compete aos pais e sabendo que
 poderemos ser verbalmente e fisicamente agredidos, arriscamos e
 transmitimos sempre que achamos premente, os valores e princípios que
 os nossos alunos não trazem de casa, corrigimos atitudes, somos pai e
 mãe sempre que necessário. Recebemos mensagens escritas dos
 encarregados de educação, revelando uma falta de respeito, educação e
 desconhecimento atroz, porque cansamos o seu educando com os trabalhos
 de casa. Somos ameaçados pelos pais e familiares dos alunos a quem
 dizemos que é necessário um caderno e uma caneta para escrever e que
 esse material é muito mais importante numa sala de aula, do que um
telemóvel...

 E falam-me em revisão curricular??...
 Não aguento mais medidas sem sentido e de nenhum efeito. Um médico não
 receita sem saber qual é o mal de um doente, ou não deveria fazê-lo.

 Então como se quer tratar a Escola/Educação sem antes perceber,
 analisar, verificar onde está realmente o grande, imenso problema?

 É urgente e inadiável impor a disciplina nas escolas portuguesas.
 É urgente e inadiável que se percebam as diferenças de direitos e
 deveres entre um adulto e uma criança.

 É urgente e inadiável que um professor possa ensinar quem quer
 realmente aprender.

 É urgente e inadiável que o medo deixe de ser uma sombra permanente
 sobre as cabeças dos docentes do nosso país.

 É urgente e inadiável que possamos intervir assertivamente e no
 imediato em situações que estão no limiar do humanamente suportável.

 É urgente e inadiável que o respeito e educação que exijo aos meus
 filhos, possa exigir da mesma forma aos meus alunos.


 E falam-me de revisão curricular??
 É inadmissível que o professor seja obrigado a engolir os insultos de
 um aluno que tem mais ou menos a idade dos seus filhos quando em sua
 casa isso não é minimamente tolerável.

 Não pensem que quero "a menina dos cinco olhinhos". Não. Apenas penso
 que fomos exactamente para o outro extremo. Quase que me apetece dizer
 que se vive uma anarquia nas escolas. Gritar fere a sensibilidade das
 crianças, mas falar baixo não resulta pois estas não sabem estar
 caladas. Uma bofetada ou puxão de orelhas? Completamente desadequado.
 Isso só com os nossos filhos surte efeito. Aos nossos alunos
 traumatiza e marca para toda a vida. Talvez seja por isso, por tantos
 traumas destes, que a nossa geração cresceu, formou-se, trabalha e não
 espera que nenhum subsídio seja criado e nenhuma casa lhe seja
 oferecida.

 Os meus vinte e cinco anos de serviço não me ensinaram a viver uma
 escola em que importa apenas que as crianças sejam muito felizes e
 acreditem que a vida é super fácil; que o trabalhar é apenas para os
 "totós", pois a preguiça compensa e de uma forma ou de outra todos
 conseguirão fazer a escola; que independentemente de cumprirmos as
 regras teremos sempre direitos; que pudemos ofender de todas as formas
 possíveis e agredir sempre, pois o pior que poderá acontecer são uns
 dias de "férias" em casa; que de uma forma ou de outra, a culpa é
 sempre do professor.

 O nosso colega está em casa, depois de uma tarde nas urgências do
 hospital, com cortes no rosto e muitos hematomas. Tenho o estômago
 embrulhado e um nó na garganta. Uma vida inteira dedicada a ensinar e
 a formar um futuro melhor para o nosso país é desta forma agraciada
 quase no fim da sua carreira. E quem está a ler e a sentir-se da mesma
 forma que eu perguntará: " E a escola não age?" E eu digo-vos qual é a
 resposta: "Foi fora do recinto escolar." Gostaram? Conseguem imaginar
 como será o estado de espírito deste professor de matemática? Já não
 falo das marcas físicas e das dores que deve ter, pois foram muitos
 pontapés e murros covardemente dados por três homens na casa dos vinte
 anos. Covardemente por serem três a  agredirem um senhor de sessenta e
 três anos. Falo na dor psicológica, uma dor que não passa com
 analgésicos, que vai lá ficar muito tempo. Será a recordação mais viva
 que terá da sua longa carreira que está quase no final. Aqui fica a
 medalha de "cortiça" que recebe pela sua dedicação e entrega à escola
 e aos alunos.

 No final apenas fica o amargo de boca de quem tem consciência de que
 fez o melhor trabalho que pode, que entregou a melhor parte da sua
 vida e juventude aos seus alunos, que exerceu com toda a dignidade a
 sua profissão, respeitando sempre todos, engrandecendo o conhecimento
 de muitos.

 Resta-me dizer que este dia cinzento tem toda a razão de ser e todos
 os professores se sentirão exactamente neste cinzento que porventura
 será a cor que melhor define os sentimentos de quem neste momento
 consegue imaginar-se no lugar deste professor.

 Maria do Rosário Meireles Cunha
 Professora na Escola EB 2/3 de Olival

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