Esta eu assino por baixo.
E falam-me de revisão curricular?
Um dia cinzento...professor.
Hoje o dia amanheceu cinzento e chuvoso...Para muitos mais um dia de
inverno! Para mim um dia triste, coberto de indignação, revolta, medo,
impotência e desolação.
Ontem, em frente à Escola EB 2/3 Padre António Luís Moreira, nos
Carvalhos - Vila Nova de Gaia, um Professor de Matemática, de 63 anos,
foi violentamente agredido por três indivíduos de etnia cigana. Não.
Não agrediu nenhum aluno. Não foi incorreto com ninguém, nem tão pouco
falou mais alto. O exemplo de civismo, educação, correcção e
profissionalismo é a descrição deste nosso colega. Apenas mandou que
uma aluna de etnia cigana se retirasse da sala onde entrou sem
autorização e sem educação. Motivo este bastante para que a aluna
comunicasse com os familiares que de forma selvagem se encarregaram do
"ajuste de contas".
Sou professora e tenho também alunos de etnia cigana. Terei
provavelmente princípios de educação e civismo semelhantes aos da
maior parte dos professores, como este colega. Corrijo todos os dias
os comportamentos e atitudes que considero despropositados. Trato
todos os alunos de igual forma tendo como principio a igualdade de que
todos falam com a "boca cheia". Igualdade essa de direitos, mas também
de deveres. Sim, porque não pensem que a igualdade só serve para ter
direitos! O cumprimento das regras de civismo e respeito também fazem
parte. E se um dos meus alunos achar que "cuspir em cima das
secretárias" é um direito que ele tem? Isso vai contra o meu
entendimento de respeito e educação e, como tal terei de informá-lo da
necessidade de limpar a secretária que é de todos. Se a moda pega,
terei com toda a certeza de pedir proteção policial para sair da
escola.
Cada vez que tento visualizar a situação de agressão a que foi sujeito
este professor, fico completamente de rastos, desmoralizada e sem
motivação alguma para continuar a fazer aquilo que escolhi há muitos
anos.
E falam-me em revisão curricular??
Podem fazê-las todas e todos os anos! Não é aí que se encontra o
"cancro" da Escola/Educação. Podem aumentar as cargas horárias todas
que quiserem! Os alunos não vão saber mais por isso. É o mesmo que
tentar tratar o doente com a medicação errada.
A indisciplina grassa em grande escala e em percurso crescente na
maior parte dos estabelecimentos de ensino do nosso país. É mais ou
menos camuflada, numas ou noutras escolas, por interesses vários,
desde directores a ministros.
Mas está instaurada e cada vez com maior número de aderentes. A nós
pouco nos resta fazer. Tentamos de todas as formas, nunca infringindo
a lei ou ferindo os tão apregoados direitos do aluno, proteger os
poucos que sabem para que serve a Escola, o Professor e a Educação.
Mesmo correndo algum risco de, segundo os entendidos, traumatizar as
crianças, ainda elevamos o tom de voz ou castigamos um ou outro aluno,
na tentativa, quase inglória, de "salvar" mais um.
Sabendo que a missão primeira de educar compete aos pais e sabendo que
poderemos ser verbalmente e fisicamente agredidos, arriscamos e
transmitimos sempre que achamos premente, os valores e princípios que
os nossos alunos não trazem de casa, corrigimos atitudes, somos pai e
mãe sempre que necessário. Recebemos mensagens escritas dos
encarregados de educação, revelando uma falta de respeito, educação e
desconhecimento atroz, porque cansamos o seu educando com os trabalhos
de casa. Somos ameaçados pelos pais e familiares dos alunos a quem
dizemos que é necessário um caderno e uma caneta para escrever e que
esse material é muito mais importante numa sala de aula, do que um
telemóvel...
E falam-me em revisão curricular??...
Não aguento mais medidas sem sentido e de nenhum efeito. Um médico não
receita sem saber qual é o mal de um doente, ou não deveria fazê-lo.
Então como se quer tratar a Escola/Educação sem antes perceber,
analisar, verificar onde está realmente o grande, imenso problema?
É urgente e inadiável impor a disciplina nas escolas portuguesas.
É urgente e inadiável que se percebam as diferenças de direitos e
deveres entre um adulto e uma criança.
É urgente e inadiável que um professor possa ensinar quem quer
realmente aprender.
É urgente e inadiável que o medo deixe de ser uma sombra permanente
sobre as cabeças dos docentes do nosso país.
É urgente e inadiável que possamos intervir assertivamente e no
imediato em situações que estão no limiar do humanamente suportável.
É urgente e inadiável que o respeito e educação que exijo aos meus
filhos, possa exigir da mesma forma aos meus alunos.
E falam-me de revisão curricular??
É inadmissível que o professor seja obrigado a engolir os insultos de
um aluno que tem mais ou menos a idade dos seus filhos quando em sua
casa isso não é minimamente tolerável.
Não pensem que quero "a menina dos cinco olhinhos". Não. Apenas penso
que fomos exactamente para o outro extremo. Quase que me apetece dizer
que se vive uma anarquia nas escolas. Gritar fere a sensibilidade das
crianças, mas falar baixo não resulta pois estas não sabem estar
caladas. Uma bofetada ou puxão de orelhas? Completamente desadequado.
Isso só com os nossos filhos surte efeito. Aos nossos alunos
traumatiza e marca para toda a vida. Talvez seja por isso, por tantos
traumas destes, que a nossa geração cresceu, formou-se, trabalha e não
espera que nenhum subsídio seja criado e nenhuma casa lhe seja
oferecida.
Os meus vinte e cinco anos de serviço não me ensinaram a viver uma
escola em que importa apenas que as crianças sejam muito felizes e
acreditem que a vida é super fácil; que o trabalhar é apenas para os
"totós", pois a preguiça compensa e de uma forma ou de outra todos
conseguirão fazer a escola; que independentemente de cumprirmos as
regras teremos sempre direitos; que pudemos ofender de todas as formas
possíveis e agredir sempre, pois o pior que poderá acontecer são uns
dias de "férias" em casa; que de uma forma ou de outra, a culpa é
sempre do professor.
O nosso colega está em casa, depois de uma tarde nas urgências do
hospital, com cortes no rosto e muitos hematomas. Tenho o estômago
embrulhado e um nó na garganta. Uma vida inteira dedicada a ensinar e
a formar um futuro melhor para o nosso país é desta forma agraciada
quase no fim da sua carreira. E quem está a ler e a sentir-se da mesma
forma que eu perguntará: " E a escola não age?" E eu digo-vos qual é a
resposta: "Foi fora do recinto escolar." Gostaram? Conseguem imaginar
como será o estado de espírito deste professor de matemática? Já não
falo das marcas físicas e das dores que deve ter, pois foram muitos
pontapés e murros covardemente dados por três homens na casa dos vinte
anos. Covardemente por serem três a agredirem um senhor de sessenta e
três anos. Falo na dor psicológica, uma dor que não passa com
analgésicos, que vai lá ficar muito tempo. Será a recordação mais viva
que terá da sua longa carreira que está quase no final. Aqui fica a
medalha de "cortiça" que recebe pela sua dedicação e entrega à escola
e aos alunos.
No final apenas fica o amargo de boca de quem tem consciência de que
fez o melhor trabalho que pode, que entregou a melhor parte da sua
vida e juventude aos seus alunos, que exerceu com toda a dignidade a
sua profissão, respeitando sempre todos, engrandecendo o conhecimento
de muitos.
Resta-me dizer que este dia cinzento tem toda a razão de ser e todos
os professores se sentirão exactamente neste cinzento que porventura
será a cor que melhor define os sentimentos de quem neste momento
consegue imaginar-se no lugar deste professor.
Maria do Rosário Meireles Cunha
Professora na Escola EB 2/3 de Olival
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