quarta-feira, 21 de novembro de 2012

o cartel

* (Esta carta foi direccionada ao banco BES, porém devido à criatividade
com que foi redigida, deveria ser direccionada a todas as instituições
financeiras.)*

     Exmos. Senhores Administradores do BES
Gostaria de saber se os senhores aceitariam pagar uma taxa, uma pequena
taxa mensal, pela existência da padaria na esquina da v/. Rua, ou pela
existência do posto de gasolina ou da farmácia ou da tabacaria, ou de
qualquer outro desses serviços indispensáveis ao nosso dia-a-dia.

Funcionaria desta forma: todos os senhores e todos os usuários pagariam uma
pequena taxa para a manutenção dos serviços (padaria, farmácia, mecânico,
tabacaria, frutaria, etc.). Uma taxa que não garantiria nenhum direito
extraordinário ao utilizador. Serviria apenas para enriquecer os
proprietários sob a alegação de que serviria para manter um serviço de alta
qualidade ou para amortizar investimentos. Por qualquer outro produto
adquirido (um pão, um remédio, uns litro de combustível, etc.) o usuário
pagaria os preços de mercado ou, dependendo do produto, até ligeiramente
acima do preço de mercado.

Que tal?
Pois, ontem saí do BES com a certeza que os senhores concordariam com tais
taxas. Por uma questão de equidade e honestidade. A minha certeza deriva de
um raciocínio simples.

*Vamos imaginar a seguinte situação: eu vou à padaria para comprar um pão.
O padeiro atende-me muito gentilmente, vende o pão e cobra o serviço de
embrulhar ou ensacar o pão, assim como todo e qualquer outro serviço. Além
disso impõe-se taxas de. Uma 'taxa de acesso ao pão', outra 'taxa por
guardar pão quente' e ainda uma 'taxa de abertura da padaria'. Tudo com
muita cordialidade e muito profissionalismo, claro.*

Fazendo uma comparação que talvez os padeiros não concordem, foi o que
ocorreu comigo no meu Banco.

*Financiei um carro, ou seja, comprei um produto do negócio bancário. Os
senhores cobram-me preços de mercado, assim como o padeiro cobra-me o preço
de mercado pelo pão.*

*Entretanto, de forma diferente do padeiro, os senhores não se satisfazem
cobrando-me apenas pelo produto que adquiri.*

*Para ter acesso ao produto do v/. negócio, os senhores cobram-me uma 'taxa
de abertura de crédito'-equivalente àquela hipotética 'taxa de acesso ao
pão', que os senhores certamente achariam um absurdo e se negariam a pagar*


Não satisfeitos, para ter acesso ao pão, digo, ao financiamento, fui
obrigado a abrir uma conta corrente no v/. Banco. Para que isso fosse
possível, *os senhores cobram-me uma  'taxa de abertura de conta'.*

*Como só é possível fazer negócios  com os senhores depois de abrir uma
conta, essa 'taxa de abertura de conta' se assemelharia a uma 'taxa de
abertura de padaria', pois só é possível fazer negócios com o padeiro,
depois de abrir a padaria.*

Antigamente os empréstimos bancários eram popularmente conhecidos como
'Papagaios'. Para gerir o 'papagaio', alguns gerentes sem escrúpulos
cobravam 'por fora', o que era devido. Fiquei com a impressão que o Banco
resolveu antecipar-se aos gerentes sem escrúpulos. Agora, ao contrário de
'por fora' temos muitos 'por dentro'.

*Pedi um extracto da minha conta - um único extracto no mês - os senhores
cobram-me uma taxa de 1 EUR. Olhando o extracto, descobri uma outra taxa de
5 EUR 'para manutenção da conta' - semelhante àquela 'taxa de existência da
padaria na esquina da rua'.*

*A surpresa não acabou. Descobri outra taxa de 25 EUR a cada trimestre -
uma taxa para manter um limite especial que não me dá nenhum direito. Se eu
utilizar o limite especial vou pagar os juros mais altos do mundo.
Semelhante àquela 'taxa por guardar o pão quente'.*

*Mas os senhores são insaciáveis.*
*A prestável funcionária que me atendeu, entregou-me um desdobrável onde
sou informado que me cobrarão taxas por todo e qualquer movimento que eu
fizer.*

*Cordialmente, retribuindo tanta gentileza, gostaria de alertar que os
senhores se devem ter esquecido de cobrar o ar que respirei enquanto estive
nas instalações de v/. Banco.*

*Por favor, esclareçam-me uma dúvida: até agora não sei se comprei um
financiamento ou se vendi a alma?*

Depois de eu pagar as taxas correspondentes talvez os senhores me respondam
informando, muito cordial e profissionalmente, que um serviço bancário é
muito diferente de uma padaria. Que a v/. responsabilidade é muito grande,
que existem inúmeras exigências legais, que os riscos do negócio são muito
elevados, etc., etc., etc. *e que apesar de lamentarem muito e de nada
poderem fazer, tudo o que estão a cobrar está devidamente coberto pela lei,
regulamentado e autorizado pelo Banco de Portugal.* Sei disso, como sei
também que existem seguros e garantias legais que protegem o v/. negócio de
todo e qualquer risco. Presumo que os riscos de uma padaria, que não conta
com o poder de influência dos senhores, talvez sejam muito mais elevados.

*Sei que são legais, mas também sei que são imorais. Por mais que  estejam
protegidos pelas leis, tais taxas são uma imoralidade. O cartel algum dia
vai* * acabar e cá estaremos depois para cobrar da mesma forma. *

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